quinta-feira, 18 de julho de 2013

{superação} Vi meu pai morrer em meus braços



Meu nome é Mariana* e aos 12 anos eu vi meu pai morrer na minha frente. Recordo que carreguei esse trauma durante anos, até finalmente conseguir prosseguir com a minha vida. Hoje tenho 36, sou formada em psicologia e disponibilizo um dia da minha semana para atender pessoas que não tem condições de arcar com a consulta. Mas para entender melhor essa história, preciso voltar um pouco no tempo.

Meus pais se conheceram ainda na adolescência. Ela tinha 14 e ele 19. Não foi amor à primeira vista, até porque meu pai vivia implicando com a minha mãe por ela usar óculos e aparelho nos dentes. Com o tempo, aquela implicância deu lugar a um interesse por parte do meu pai. Na época, minha mãe dizia que o detestava e foram longos três anos investidos por ele para que ela se rendesse aos encantos do meu pai.

Na minha família por parte de pai, todos os homens investiam na carreira policial ou militar. Dois irmãos dele eram policiais civis, um primo era bombeiro, um tio dele era policial civil e por aí vai. Com essa influência, meu pai acabou seguindo a carreira como policial no Espírito Santo.

Lembro que quando eu tinha cerca de 10 anos, eu ficava aguardando meu pai chegar com um aperto muito forte no coração. Eu ouvia muitas crianças falando na escola sobre como vários policiais haviam morrido recentemente por conta de assaltos e incursões da polícia nas favelas e eu passei a ter muito medo.

Eu não tinha coragem de contar isso a minha mãe, porque não queria que ela sofresse também. Sempre que ele tinha plantão, dava um beijo em minha mãe, eu e meu irmão. Eu sempre perguntava: “O senhor vai, mas volta, não é?” E ele sempre respondia, “É claro meu anjo, papai vai sempre voltar pra você” Ouvir aquilo me tranquilizava um pouco, mas nada que fizesse passar aquela preocupação.

Num determinado dia, meu pai e eu fomos visitar uma tia que morava em um bairro próximo a nossa casa. Meu irmão estava na escola, porque ele estudava à tarde e minha mãe estava trabalhando. Ela era irmã do meu pai e estava muito doente. Ela tinha feito uma operação no coração e os médicos disseram que ela precisava urgente de um transplante, como o hospital estava muito cheio, eles ficaram com medo dela pegar uma infecção e a mandaram pra casa.

E lá fomos nós. Vi minha tia, que estava bem magrinha e respirava com dificuldade. Dei um beijo nela e falei para ela melhorar logo. Eles ficaram conversando por um tempo enquanto eu assistia desenhos na televisão. No final da tarde, voltamos pra casa.

O ônibus demorou cerca de 10 minutos para passar e eu já estava ficando impaciente. Dizia para meu pai que estava cansada e ele dizia que logo estaríamos em casa. Finalmente o ônibus chegou e nos sentamos quase no meio do ônibus. Eu no banco alto próximo à janela e meu pai ao meu lado. Algum tempo depois, o motorista parou para um passageiro entrar. Lembro que ele tinha uma cara esquisita, mas como estava ao lado daquele que sempre havia prometido me proteger, eu não fiquei com medo.

Mas poucos minutos depois, esse rapaz anunciou um assalto. Meu pai ficou quieto até então e acho que ele estava esperando o momento certo de agir. Hoje sei que ele sabia que se o bandido descobrisse que ele era policial, o mataria na hora e por isso, ele estava nervoso.

Quando o bandido chegou até o banco onde estávamos e pediu para meu pai a carteira, ele disse que não poderia dar. Era ali que meu pai guardava o distintivo. Lembro que o bandido começou a gritar dizendo que ele estava mandando e que era para meu pai obedecer senão ele me mataria. Acredito que o instinto de proteção do meu pai o impeliu a lutar com o bandido. Eu gritava loucamente pedindo para que parassem e me encolhi para mais perto da janela. Mas o bandido conseguiu no meio dessa luta desferir um tiro no meu pai. Em seguida, ele pediu para o motorista parar o veículo que ele ia descer.

Quando olhei para meu pai, ele estava cheio de sangue próximo a área do coração e falava com muita dificuldade. Ele dizia que tudo ia ficar bem e que eu era a menininha dele. Eu só lembro de chorar e chorar. Eu segurei a cabeça dele no meu colo e falava o quanto o amava e pedia para ele não me deixar, mas a cada instante que passava, ele respirava ainda mais fraquinho...

Não sei por quanto tempo ficamos ali assim, trocando declarações de amor e acredito que alguém dentro do ônibus tenha acionado o Corpo de Bombeiros. Depois desse momento, tudo ficou escuro e não consigo lembrar de mais nada. A parte seguinte que consigo recordar é de estar num banco do hospital com policiais ao meu redor e minha mãe chegando correndo e chorando muito. Ela me abraçou forte e disse que tudo ia ficar bem. Naquela hora, senti muita raiva, porque todo mundo dizia que ia ficar tudo bem, mas eu sabia que não.

Somente depois de algum tempo é que fiquei sabendo que meu pai havia morrido nos meus braços dentro do ônibus. Eu estava tão desorientada que achava que ele tinha apenas desmaiado. Depois do funeral, quando chegamos em casa, todo aquele brilho que tinha de estar com a família se perdeu um pouco.

Meu pai era minha paixão e eu era sua menininha. Toda a família sofreu junto durante anos a fio e quando passei a ter problemas de aprendizado, minha mãe percebeu que algo de errado estava acontecendo comigo. Foi quando passei a fazer terapia para me ajudar a superar todo aquele trauma. Foram longos 12 anos indo à psicóloga buscando uma melhora para aquela dor. Hoje consigo me lembrar dele nos momentos em que estávamos mais felizes, coisa que antes era quase impossível. A única cena que aparecia na minha mente e me causava pesadelos era a dele morrendo em meus braços.

Durante a mais de uma década em que fiz terapia, aprendi a valorizar os momentos que temos ao lado das pessoas que amamos. A morte é algo inevitável e por acontecer de forma surpresa, aprendi a dizer o quanto amo os meus familiares, amigos e marido sempre que posso. Sei que a partida pode acontecer a qualquer momento e não gostaria de partir dessa Terra sem que eles saibam o quanto os amo. E meu pai... ele ficará guardado para sempre em minha mente e meu coração.

*Nome trocado a pedido da depoente. 


Se você tem uma história comovente de superação e queira compartilhar conosco, envie o seu relato para blogestilomaximo@gmail.com. Não será necessária sua identificação. 

2 comentários:

  1. você disse vamos voltar " UM POUCO NO TEMPO " .. quando meus pais começaram a namorar... WTF

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  2. você disse vamos voltar " UM POUCO NO TEMPO " .. quando meus pais começaram a namorar... WTF

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